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  • 08/02/2018

    A Era do Rádio

    Por Harold Emert

     


    A despeito dos avanços tecnológicos que nos levam a um novo milênio com surpreendentes novas dimensões conquistadas pela internet, com televisão e cinema interativo, eu - como amante da música -  me vejo cada vez mais e mais dependente de ouvir um bom e velho rádio.

    Na verdade, no meu recente aniversário em Janeiro, meu presente mais querido foi um  pequeno Radio Toshiba, que possui um som melhor e melhor ajuste do que o antigo rádio com aquela caixa gigantesca!
     

       Muitas vezes eu comentei, e repito nesta coluna, que este americano no Rio não poderia sobreviver à vida no Brasil se não fosse pela Radio Mec 99.3 Fm, a estação de música clássica do Brasil.
     

       Mas, assim como a Coca Cola original sendo comparada com versões atualizadas, sinto falta da rádio Mec original, no pequeno e antigo prédio com um estúdio antiquado, que estava localizado perto da Praça da República e constantemente recebia visitas dos melhores instrumentistas, pianistas e vocalistas do Brasil.
     

        O estúdio era "antiquado" no bom sentido, sendo um prazer para mim e para outros gravar nossos recitais em um estúdio antigo completo com painéis de madeira e ótima acústica, batizado com o nome do Maestro Alceu Bocchino, onde era gravado o programa 'Sala de Concerto' , apresentado pelo veterano locutor Lauro Gomes, nas tardes de sexta-feira.
     
     
    LAURO GOMES

      Infelizmente, nesta cultura injusta chamada Brasil, Lauro foi demitido há alguns anos, depois de décadas apresentando excelentes transmissões ao vivo de alguns dos melhores músicos do Rio e do Brasil (na foto ao lado, Lauro Gomes no Estúdio Sinfônico Alceo Bocchino, na Rádio MEC, gravando o programa Sala de Concerto com o celista Antonio Menezes). Ainda sinto um vazio nas 17:05h das sextas-feiras, esperando ouvir outro de seus programas eruditos (nos dias de hoje, outros programas de Lauro ainda são transmitidos em reprises na Rádio e incluem entrevistas e retrospectivas musicais de músicos brasileiros de destaque como pianistas Jacques Klein, Nelson Freire e alguns dos principais cantores e instrumentistas de ópera do Brasil).

           E desde que o antigo prédio da Radio Mec foi fechado há alguns anos para reparos "temporários" (e nunca voltou a abrir!), eu - como um frequentador da platéia - sinto falta de não assistir pessoalmente as transmissões gratuitas na estação de rádio, encontrar fãs de boa música e cruzar com alguns dos principais músicos do Rio. Felizmente, a TV e a rádio da EBC começaram seus próprios concertos ao vivo gratuitos para o público, mas não são tão regulares quanto os concertos de sexta-feira às 17: 05hs.

    NELSON TOLIPAN

    No último sábado, 3 de fevereiro, assisti a missa do 7º dia de outro dos meus radiodifusores favoritos: Nelson Tolipan, que morreu aos 81, depois de décadas apresentando um programa de jazz chamado "Momento de Jazz" , nas noites da Radio Mec. Como passei décadas ouvindo Nelson, sinto como se eu tivesse perdido meu amigo mais querido.

        Eu aprendi mais sobre Jazz americano com o Nelson do que com qualquer americano. Mitos como Charlie Parker, Coltrane, Miles Davis, Dizzy, Ella Fitzgerald, Billie Holliday, Coleman Hawkins, etc., se tornaram os temas dos programas educacionais com uma hora de duração com a apresentação segura de Nelson. Eu poderia comparar Tolipan com Symphony Sid, o melhor disc jockey de Jazz de Nova York (eu cresci ouvindo Sid em Nova York) .

       E pensar que muitos desses grandes músicos de jazz eram freqüentemente considerados por muitos nos EUA como loucos viciados em heroína, em vez de grandes artistas!

    Uma estupenda entrevista com a inimitável cantora de jazz brasileira, Leny Andrade, estava no ar na noite em que Nelson morreu. Foi um tributo - para minha triste surpresa - não só para a Ella Fitzgerald do Brasil, mas para um brasileiro que sabia mais sobre Jazz do que a maioria dos americanos: Nelson Tolipan.

           Voltando a Radio Mec: antes de eu chegar ao Rio de Janeiro em 1973, a Radio - inspirada na BBC e outras rádios internacionais  - possuía sua própria orquestra sinfônica, onde muitas  obras brasileiras inéditas tiveram sua estréia mundial sob a batuta de compositores (e arranjadores) como Radames Gnattali , Alceu Bocchino, Guerra Peixe, Francisco.Mignone, entre outros. O rádio era uma escola, em certo sentido, para compositores, arranjadores e músicos.

    Isso tudo em uma época ainda muito distante dos computadores e dos recursos de edição digital. Como solista de corne-inglês da Orquestra Sinfonica Nacional-Uff sob a direção da maestrina Ligia Amadio há alguns anos, já no século XXI, gravei um poema sinfônico do compositor brasileiro Leopoldo Miguez nos espaços apertados da antiga Radio Mec e tive a real sensação de como era difícil gravar!

    No entanto, à medida que os arquivos de Radio Mec vão aparecendo, surgem algumas performances verdadeiramente maravilhosas registradas sob condições precárias nos bons/maus velhos tempos.

    Quando eu estou preparando palhetas para o meu oboé ou escrevendo ensaios como este, minha companheira habitual é a Radio Mec (na verdade, eu criei meu poodle branco Ludvig ouvindo a Radio Mec Fm, e ele se tornou um astuto crítico de música...)

      Muitas vezes, ouço nas manhãs, tardes ou noites as gravações de Eugene Ormandy e da Orquestra de Filadélfia, ou Leonard Bernstein com a Filarmônica de Nova York, Nino Rota ou Herbert von Karajan, executando obras que até mesmo a famosa estação de rádio Wqxr na minha Nova York natal (que atualmente se pode ouvir na internet) raramente toca.


    Ironicamente, embora eu tenha sido convidado pelo Maestro Isaac Karabtchevsky para vir morar no Rio para trabalhar na Orquestra Sinfônica Brasileira, acabei me juntando décadas depois à Orquestra Sinfonica Nacional da UFF, que foi a sobrevivente / sucessora da orquestra da Radio Mec.

    Durante a minha longa carreira, tive a sorte de começar profissionalmente na orquestra da radiodifusão da África do Sul em Joanesburgo, e posteriormente fui membro da Orquestra de Rádio de Saarbrucken na Alemanha. Muitas vezes me perguntei (e pergunto) por que uma estação de rádio em uma cidade internacional e colorida como o Rio de Janeiro não aproveitou as visitas de muitos músicos internacionais famosos que visitaram o Brasil, incluindo no passado Bernstein, Copland, Stravinsky, John Cage, Izthak Perlman, e as inúmeras visitas recentes de americanos compositor Philip Glass?
    Dinheiro?

    Não acho que dinheiro seja um fator importante para as entrevistas, porque muitos músicos famosos nem sempre cobram uma taxa. E quem sabe que muitos visitantes estrangeiros podem permitir transmissões de suas performances e até mesmo gravar um recital, como eu mesmo fiz para as rádios de Hong Kong, Singapura e Austrália.

      Esperemos que os valiosos arquivos da Radio Mec, que guardam verdadeiras pedras preciosas, como as gravações do grande Pixnguinha, Radames Gnattali, Alceu Bocchino, Jacob de Bandolim, Mignone e, claro, Villa Lobos, etc., não sejam perdidos como os da antiga Rádio

    O prédio da Rádio MEC está se deteriorando e infelizmente está ameaçado de ser derrubado pela bola de demolição de algum guindaste.

     A televisão atual, especialmente no Brasil, é uma grande decepção cultural. Com isso, os amantes da boa música só podem esperar que a Radio Mec Fm continue a ter uma existência longa e produtiva!

       

    Texto: Harold Emert (contato) - tradução: Roberto Carelli

    (textos publicados nas colunas deste portal são de inteira responsabilidade de seus autores. Dúvidas ou questões, entrar em contato diretamente com o autor)

     





     


     
     
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