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  • A Menina das Nuvens - Crítica da ópera (23/10/2015)

    Em 1948, Villa-Lobos foi atingido pôr um câncer que lhe consumiu a próstata, a bexiga e o rim. Foi para os Estados Unidos para tratar-se. Lá foi submetido a uma colostomia, passando a conviver com uma bolsa adesiva, junto ao abdomen. O compositor viveu mais 11 anos, com este incomodo tremendo, mas não perdeu o seu poder criativo. Grandes obras foram idealizadas por ele neste período final da sua vida. Suas últimas sinfonias, muita música sacra, ballet como Emperor Jones, inspirado na peça de O’Neil, e duas óperas: Yerma, entre 1955 e 1956 e A Menina das Nuvens, entre 1957 e 1958, e a Floresta do Amazonas.

    Lucia Benedetti escreveu a sua peça infantil, A Menina das Nuvens, em 1949, que foi estreada no ano seguinte no Teatro Fênix. Segundo a crítica, foi montada com luxo e capricho, excelente guarda roupa, bons efeitos de luz e um elenco eficiente.
    Lucia, era vizinha do Villa. Moravam no mesmo prédio. Trabalharam juntos na elaboração da ópera. O que levou o nosso compositor, no final de sua vida, criar um ópera dedicada às crianças? Ele que compilou todas as nossas canções de roda e cirandinhas? O que sabemos é que ele trabalhou muito, concluíndo o seu trabalho um ano antes da sua morte.


    A Menina das Nuvens no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (foto: divulgação)

    Villa-Lobos faleceu aos 72 anos, em 17 de novembro de 1959, no Rio de Janeiro.

    A ópera A Menina das Nuvens, dedicada a Mindinha, segunda esposa do compositor, foi denominada por Villa-Lobos com uma Aventura Musical em 3 atos, com libreto da própria Lúcia Benedetti. A primeira apresentação aconteceu no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 29 de novembro de 1960, um ano após a morte do compositor. Quase 30 anos mais tarde, a obra foi apresentada, em inglês, no teatro Americas Society, em Nova York, em 31 de janeiro de 1989. Vinte anos depois, ganhou nova montagem no Palácio das Artes (Belo Horizonte), a mesma produção que agora vemos em remontagem no Rio de Janeiro.

    A direção da ópera é de William Pereira, que além de possuir vasta experiência internacional, já dirigiu espetáculos nos principais teatros do país, como os Municipais de São Paulo e Rio de Janeiro. Os cenários e figurinos concebidos pela carnavalesca carioca, filha de Lúcia Benedetti, Rosa Magalhães, artista plástica que já participou de importantes peças de teatros, ballets e produções de televisão. A coreografia é assinada por Tíndaro Silvano, que 2004 e 2005 residiu em Paris, na Cité Internationale des Arts, como artista convidado. Na iluminação, Pedro Pederneiras, um dos fundadores, ex-bailarino e atual diretor técnico do Grupo Corpo.


    Elenco:

    Menina das Nuvens – Gabriella Pace, soprano
    Corisco – Inácio de Nonno, barítono
    Tempo – Lício Bruno, baixo
    Vento Variável – Marcelo Coutinho, barítono
    Rainha – Regina Helena Mesquita, mezzo-soprano
    Soldado – Flávio Leite, tenor
    Lua – Adriana Clis, mezzo-soprano
    Príncipe – Giovanni Tristacci, tenor
    Mãe – Lara Cavalcanti, mezzo-soprano
    Anita – Michele Menezes, soprano
    Participação: Alunos da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa
    Coro e Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro
    Regente: Roberto Duarte.

    O espetáculo:

    A história começa no castelo do Tempo, senhor dos céus e dos ventos. Numerosos armários guardam as vozes do passado e lá vive uma criança trazida por um pássaro - a Menina das Nuvens. Os seus amigos são as estrelas, o Arco-Íris, a Lua, o
    Corisco, que sonha ser raio de sol e o brincalhão Vento Variável, que por suas travessuras é castigado pelo Tempo. Libertado pela a Menina, Corisco faz com que ela abra uma gaveta e ouça a voz da sua mãe chamando por ela. Juntos com Tufão, descem à casa dos seus pais. Lá, começa uma nova aventura, com a família da Menina das Nuvens perseguida por um Soldado de Chumbo a serviço de uma Rainha terrível e ávida por presentes. O Vento atordoa os inimigos. A Lua aparece. Com seus fios de luz, ajuda a menina a tecer uma toalha para a Rainha. Aparece o príncipe que não quer se casar com a Princesa e se apaixona pela Menina. Corisco, que aprendeu a ser corajoso, é transformado em Raio de Sol, pelo Tempo. A Rainha aceita a situação e promete ser boazinha. E todos serão felizes para sempre.
    Abertura, elaborada com temas da ópera pelo maestro Ricardo Duarte, é fantástica e a participação dos alunos de dança, surpreende pela qualidade e  eficiência profissional dos jovens. A bailarina que faz a Valsa, domina completamente a cena, como uma grande diva. A movimentação coreográfica, preenche com perfeição, os momentos que resultariam estáticos sem este envolvimento, durante todo espetáculo. Precioso o trabalho de Tindaro Silvano. Os cenários e figurinos de Rosa Magalhães, são belos, graciosos e oníricos. A iluminação, do Pedro Pederneiras, muito bem resolvida e precisa. A direção cênica de William Pereira é dinâmica, exigindo dos cantores e bailarinos uma efetiva participação como atores. Todos estão espontâneos e atentos.
    Sobre a música de Villa-Lobos, é música viva. Ele deixa de lado a facilidade de explorar temas folclóricos, e cria, com comentários orquestrais, momentos de grande enlevo. Ele sublinha a parte narrativa. A dinâmica e os rítmos dos longos recitativos, exigem dos cantores, uma atenção toda especial e segura. Momentos deliciosos com as valsinhas e o samba, encantam pela singeleza de como são apresentados. Um coro escondido, faz com perfeição um fundo que descreve as intempéries e sublinham o canto da Menina e da Lua.

    O elenco.

    Eu era ainda jovem, quando assisti a primeira montagem da ópera em 1960. No elenco: Aracy Bellas Campos, Assis Pacheco, Paulo Fortes, Glória Queiroz, Edson Castilho e Guilherme Damiano, cantores e grandes profissionais, consagrados da ópera nacional, dirigidos por um dos maiores diretores de cena que viviam no Brasil, o italiano Gianni Ratto. Era espetáculo lúdico e colorido.

    Agora tudo se repete. Cantores profissionais, experientes e consagrados como Lício Bruno, vivendo o Tempo de forma impecável - Innacio de Nonno, como um Corisco brejeiro e brincalhão – Marcelo Coutinho, o Vento Variável, impagável e indolente, agraciado por linda melodia no segundo ato – A Rainha, vivida pela veterana Regina Helena de Mesquita, brincou com uma caricatura sensacional da Elizabeth II, com um figurino em que não faltaram, as luvas, a indefectível bolsinha e o chapéu enfeitado – O soldado de Flávio Leite, foi insuperável na condição de um aparvalhado pau mandado. Da geração mais nova, foram destaques: A Lua de Adriana Clis, belíssima voz a serviço da cena mais bonita do espetáculo – A Mãe, de Lara Cavalcanti, um timbre escuro e promissor – Anita, com a Michele Menezes – soprano lírico de voz pura e bonita, num desempenho solto e presença marcante – O Príncipe, de Gioavanni Tristacce, com uma poderosa e generosa voz de tenor, que poderá fazer uma carreira brilhante – E por fim, todo encantamento de Gabriella Pace, soprano lírico da maior qualidade. Um desempenho deslumbrante, alegre, vibrante e dona absoluta de papel que facará marcado em sua carreira.

    A Orquestra do nosso Theatro Municipal, reduzida em tamanho mas não na eficiência e o Coro interno, foram de um impressionante desempenho, sem deslizes. A regência do maestro Ricardo Duarte, foi determinante para o sucesso do espetáculo. Ele foi o grande vencedor, num Concurso Internacional de Regência, durante um Festival de Villa-Lobos, começando assim uma caminhada de grande feitos. Este foi um trabalho de quem conhece profundamente a obra do mestre brasileiro.

    Gabriella Pace e Lauro Gomes após a apresentação da ópera no Theatro Municipal do Rio de Janeiro

    Bravos a todos pelo empenho, garra e determinação. O espetáculo merece ser visto por todos que gostam da arte latente e verdadeira. Não é uma música fácil para ouvidos ainda desafinados pelo preconceito. É Villa-Lobos, o maior compositor do Brasil. Imperdível.

    Espetáculos: amanhã e dias 28 e 1º de novembro, ás 17 h. E dias 27 e 31 de outubro, ás 20 h.
     

     

     

     



     


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