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  • 08/07/2018

     

    Dois concertos nessa semana relembram Alceu Bocchino

     


           Há algumas pessoas que já foram ao encontro do Criador, mas que se recusam a sair da nossa memória.

           E mesmo depois que elas se foram, continua-se a ver seus fantasmas "caminhando" pelas ruas, ou mesmo a assombrar a vida musical do Rio de Janeiro. Refiro-me ao maestro, compositor, arranjador e pianista  virtuoso Alceu Bocchino (foto ao lado), cujo centésimo aniversário será finalmente lembrado nesta semana com concertos nos dias 12 e 13 de julho, às 20h na Sala Cecília Meireles no Rio, com orquestras regidas por Norton Morozowicz e Tobias Volkmann.

           O Maestro faleceu em abril de 2014 aos 94 anos de idade, mas ainda vejo a alma dele andando pelas ruas do Rio de Janeiro. E enquanto tento compor minha própria música, ouço suas dicas práticas de sabedoria artística com que ele guiava seus alunos, entre os quais, Tom Jobim.

           O maestro Bocchino dirigiu a antiga Orquestra Sinfônica Nacional (UFF), assim como a Orquestra do Teatro Municipal e a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB).  Também trabalhou como arranjador da Radio Mayrink Veiga, da Rádio Nacional e da Radio Mec, trabalhando com os principais cantores brasileiros de sua época, como Elizeth Cardoso e Silvio Caldas. Ele até compôs música para uma novela: "As vidas de George Sand".

            Quando não estava atuando como pianista em um estimado trio de música de câmara com o violinista Anselmo Zlatopolski e o violoncelista Iberê ​​Gomes Grosso, estava gravando com os principais músicos brasileiros, incluindo os flautistas Altamiro Carrilho e Lenir Siqueira (os trabalhos de Patápio Silva, lendário compositor e flautista brasileiro).

             UMA VIDA MUSICAL OCUPADA!
             E tem mais: em 1960, um ano após o falecimento do brasileiro Heitor Villa Lobos, Bocchino conduziu programas dos trabalhos de mestrado, incluindo a primeira apresentação do quinto concerto para piano de Villa-Lobos. O trabalho raramente é tocado hoje, embora seja uma obra-prima.

            No exterior, Bocchino se apresentou em Sofia, Bulgária, Bilboa, Espanha, Lisboa e Fort Worth, Texas, e com a Orquestra Sinfônica Brasileira na Espanha, quando eu fui seu primeiro oboísta. Ele foi um dos fundadores em 1985 da Orquestra Sinfônica do Paraná, em Curitiba, onde Bocchino nasceu em 1918.

           O Maestro também foi, até os seus últimos dias, um querido professor de regência e composição na escola Villa-Lobos, no centro do Rio de Janeiro. Depois de suas aulas, podia-se encontrá-lo em um café próximo ou mesmo no metrô com seu grupo de estudantes, ou mesmo em seu restaurante favorito na rua Siqueira Campos, em Copacabana, onde ele, sua esposa e duas filhas residiam.


         Ainda encontro-me ocasionalmente com sua filha Rosalba em Copacabana sempre que vou ao meu cinema favorito, o Cine Jóia. Nosso assunto preferido é, claro, o maestro Bocchino, como se ainda estivesse vivo. E de muitas maneiras, como outros grandes nomes da música em qualquer parte do mundo, o Maestro é imortal.

         Ele era meu maestro favorito quando eu fui o primeiro oboé da OSB, de 1973 a 1997. Os ensaios com ele eram sempre divertidos, cheios de risadas e boa música.

           Eu gostava de tocar principalmente as alegres aberturas de Rossini regidas por este filho de imigrantes italianos. Obras como o "Barbeiro de Sevilha" e "La Gazza Ladra" pareciam combinar perfeitamente com o Maestro, pois o bom humor irreverente de Rossini lembrava o brilho nos olhos e na batuta de Bocchino.

        Antes mesmo de começarem a aparecer os estudos sobre Inteligência Emocional, Bocchino já a aplicava. Seu segredo para produzir boa música era que ele entendia que fazer com que os músicos tocassem as notas e dinâmicas corretas não era a única pista para conseguir que eles executassem o MELHOR. O segredo era criar uma atmosfera relaxante sem tensão.
     
        Talvez por ser um pianista  virtuoso que, em 1941, acompanhou Tito Schipa, o Pavarotti de sua época, durante várias turnês brasileiras, Bocchino conhecia esse segredo. O resultado disso foi uma melhor performance dos músicos do que os resultados obtidos por maestros tensos e exigentes que corrigem cada nota e inspiram medo no pódio.

         Durante minhas mais recentes dez temporadas com a Orquestra Nacional, já após a morte de Bocchino, descobri tardiamente que o maestro / pianista estava entre os melhores compositores do Brasil. Tocamos e gravamos uma pequena obra de Bocchino pouco apresentada, a "Seresta Suburbana".  Uma lástima que, como muitos maestros-compositores (incluindo Bernstein e Gustav Mahler), Bocchino não tinha tempo livre suficiente para compor muitos outros trabalhos. Provavelmente, a composição era seu maior talento!

               Eu gostei de apresentar o trio do Maestro para oboé, fagote e piano, intitulado "Que coisa", composto a pedido da pianista Fernanda Canaud, professora da escola Villa-Lobos. Com o falecido Noel Devos, inimitável no fagote, o trio foi gravado ao vivo da Sala Alceu Bocchino, no antigo prédio da Radio Mec, para a lamentavelmente extinta série de concertos de Lauro Gomes, o programa "Sala de Concertos". O trio relembrava as casas de tango do sul do Brasil, e Bocchino afirmou estar incorporando em suas obras a dança argentina, muito antes de Piazzola.

         Em um ensaio sobre o "maestro autodidata", Fuad Atala lembra que Bocchino, na década de 1930, foi o primeiro jovem advogado que era mais conhecido como um bom pianista e regente. "Ele considerou a lei sua segunda vocação", escreve Atala. "Um juiz de Curitiba disse a Bocchino: "Doutor, espero vê-lo em breve como um grande advogado que toca música para o dilentanismo ". Bocchino respondeu: "Vossa Excelência, não sei se me tornarei um grande músico, mas tenho a certeza de que exercerei a lei como um diletante".

       "Desencantado com sua capacidade de convencer o júri de que um acusado de assassinato - que realmente assassinou sua noiva - era inocente, Bochino decidiu aposentar seu diploma de advogado e dedicar-se inteiramente à música."

         "Nunca saberemos se a lei perdeu um grande advogado, mas certamente a música brasileira ganhou um novo e valioso participante".

           Bocchino conduziu na Espanha a Orquestra Sinfônica Brasileira, em nossa tournée de 1974 pela Europa, e fomos recebidos com grande sucesso. Lembro-me especialmente de seu acompanhamento infalível e virtuoso de concertos para piano, que, como pianista que era, Bocchino deve ter tocado de memória.

       Como professor na escola Villa-Lobos, no Rio, muitos achavam que ele estava fora de lugar. No exterior, Bocchino teria sido um palestrante convidado em um conservatório de alto nível ou universidade de prestígio. Não obstante, em vez de viagens longas a outros países, ele parecia preferir suas idas semanais de Copacabana ao centro do Rio, para ensinar a regência e composição para talentos jovens e veteranos.

       Tive o privilégio de ter estudado por um breve período de tempo com o maestro durante estes dias, completando sob a sua competente orientação, o meu "Duplo concerto" para violino, oboé e orquestra intitulado "Saudades de Nova Iorque / Nova York Nostalgia". Por fim, apresentei este trabalho com a  Orquestra Rio Camerata. Também foi apresentado em Melbourne na Austrália, e por outras pessoas nos Estados Unidos (Lousiana e Novo México).

      Durante anos, em minhas visitas anuais à minha cidade natal, Nova York, eu estiva procurando um professor de composição renomado para aprimorar minhas habilidades. Para minha surpresa, o melhor professor de composição que encontrei foi morar a uma curta distância da minha residência em Copacabana: o maestro Alceu Bocchino!
     

       

    Texto: Harold Emert (contato)

    Tradução: Roberto Carelli

    (textos publicados nas colunas deste portal são de inteira responsabilidade de seus autores. Dúvidas ou questões, entrar em contato diretamente com o autor)  

     

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